Recebi o desafio de escolher uma jornada real de um e-commerce conhecido, identificar pontos críticos e propor melhorias com base em dados e boas práticas de UX.
Para isso, organizei o processo em cinco etapas:
- Escolha do e-commerce
- Mapeamento da jornada e da persona
- Definição do problema
- Proposta de redesign em wireframe de baixa fidelidade
- Definição de estratégias de validação e métricas
Este artigo conta como conduzi cada uma delas — com foco em impacto real na experiência de quem compra online.
Escolha do e-commerce

Optei por analisar a Shein por sua grande relevância no mercado brasileiro.
Em maio de 2025, o site ocupava o 6º lugar geral entre os e-commerces mais acessados, era o 4º app mais utilizado em compras e o 2º no segmento de importados. Esses dados, divulgados pela Setores do E-commerce no Brasil, indicam um volume alto de acessos e um potencial concreto para gerar impacto com melhorias de UX.
Mapeamento da jornada e da persona
A partir de dados públicos do SimilarWeb e do ReclameAqui, identifiquei padrões de comportamento, interesses e reclamações frequentes dos usuários. A persona que emergiu desse levantamento foi Camila, uma mulher de 29 anos que costuma navegar pelo site via desktop, explora o conteúdo com calma, compara produtos e valoriza experiências claras e confiáveis. É motivada por preço, mas exige transparência, rastreio eficaz e suporte descomplicado.


Definição do problema
Durante o mapeamento da jornada de Camila, observei diversos pontos de dor distribuídos por toda a experiência de compra.
Entre os mais recorrentes estavam:
- Pedidos não recebidos
- Diferença entre a imagem e o produto real
- Rastreamento pouco claro
- Processo de devolução difícil ou escondido
- Uma fricção significativa no momento do login e cadastro
Apesar de os problemas no pós-venda terem forte impacto na satisfação do usuário, optei por focar em um ponto específico: o fluxo de cadastro de telefone durante o login.




Essa decisão foi tomada com base em critérios objetivos: trata-se de um momento crítico da jornada, com influência direta na conversão; é um ponto totalmente digital e controlável (não depende de logística ou atendimento humano); apresenta baixa complexidade técnica para implementação de melhorias; e concentra falhas evidentes de usabilidade, clareza e motivação que interrompem o fluxo do usuário.
Problemas de UX encontrados
Motivação mal comunicada

O sistema solicita o número de telefone sem contextualização adequada. Usuárias como Camila tendem a se questionar:
- “É obrigatório?”
- “O que acontece se eu pular?”
- “Por que fornecer esse dado agora?”
Essa falta de explicação enfraquece a confiança e pode levar ao abandono do processo.
Usabilidade comprometida
A interface apresenta uma série de obstáculos funcionais:
- Botões com aparência e rótulo semelhantes, sem distinção clara de ação. Por exemplo: um para solicitar o código, outro para validar o código e ambos com copy “Enviar”

- Labels pouco descritivos, aumentando o esforço cognitivo para o preenchimento
- Campo sem máscara de preenchimento, dificultando a compreensão do formato esperado
- Validação do número informada apenas após o clique em “Enviar”, o que contraria a heurística de prevenção de erros

- Timer de reenvio do código pouco visível, o que gera confusão sobre o próximo passo

Acessibilidade negligenciada
A interface apresenta falhas relevantes do ponto de vista da acessibilidade:
- Ausência de heading (ex: H1) que contextualize a tela para leitores de tela
- Sinalização de erro apenas por cor, sem ícones ou mensagens de apoio para pessoas com daltonismo
- Campos de número que abrem teclado alfanumérico no mobile, dificultando a digitação

- Navegação por tab ausente, o que compromete o uso por leitores de tela e teclados assistivos
- Falta de alternativas acessíveis de validação para pessoas com deficiência visual ou dislexia (como leitura facilitada ou síntese de voz)
Essas falhas comprometem a experiência de diversos perfis de usuários e desrespeitam critérios básicos das diretrizes WCAG.
Confiança quebrada
Durante o fluxo, o usuário é incentivado a cadastrar seu número de telefone e, ao final, encontra caixas de opt-in para recebimento de comunicações por SMS e WhatsApp já marcadas por padrão. Isso levanta uma questão importante de transparência e controle: embora o consentimento seja solicitado, ele não é apresentado de forma ativa e destacada.

- O usuário pode ser inscrito em newsletters sem consentimento claro
- Isso quebra a confiança e prejudica a percepção de controle
Proposta de redesign em wireframe de média fidelidade
A nova proposta de fluxo atua de forma integrada para resolver os quatro grandes grupos de problema: motivação, usabilidade, acessibilidade e confiança.
1 – Título acompanhado de subtítulo explicativo

- Justifica a etapa de forma honesta e direta
- Melhora a navegação por leitores de tela
2 – Navegação em etapas

- Ajuda o usuário a se situar no processo e entender o que vem a seguir
- Reduz ansiedade cognitiva (heurística: visibilidade do status do sistema)
3 – Validação via SMS ou ligação

- Aumenta a acessibilidade

Campos com foco em acessibilidade

Inputs numéricos especializados:
- Ativam teclado numérico em mobile (WCAG 2.1 – Critério 2.1.1: Keyboard Accessible)
- Máscara de preenchimento ajuda a reduzir erros e aumentar clareza
- Placeholder e mensagens de erro claros e objetivos


Opt-ins mais claros e éticos

- Texto reescrito com linguagem simples e amigável.
- Caixas não marcadas por padrão, evitando padrões enganosos (dark patterns)
- Conformidade com LGPD (consentimento explícito e informado)

Opção de pular a etapa com explicação

- Evita a fricção desnecessária no momento do login
- A mensagem “Essa etapa é opcional…” agora está visível e esclarece que o cadastro pode ser feito depois, sem prejudicar o acesso

Indicação clara do tempo para reenviar o código

- O tempo de espera agora é exibido de forma clara, com destaque
- Isso evita que o usuário tente agir sem saber por que não consegue, reduz tentativas frustradas
- Visibilidade do status do sistema (Nielsen Heurística #1)

Reforço positivo e controle do usuário

- “Telefone cadastrado!” no início do texto, com destaque e tom afirmativo apoia a heurística de visibilidade do status do sistema
- Informa que o número poderá ser usado no próximo acesso — ajuda a criar valor percebido e reduz arrependimento
- Frase: “Você pode editar ou remover a qualquer momento na sua área de Perfil.” comunica controle e transparência, reduzindo a sensação de irreversibilidade — o que é central para experiências confiáveis
- Link de retorno respeita o modelo mental do usuário, que quer retomar o fluxo interrompido (por exemplo, finalizar uma compra ou navegar no site)

Onde aplicar novo cadastro de telefone?
Além da reformulação do fluxo atual, também propus repensar o momento em que o telefone é solicitado. Em vez de interromper o login, essa coleta pode ocorrer em contextos mais naturais e menos sensíveis — quando o usuário já percebe valor no produto.
Entre os pontos mais adequados estão:
- Após adicionar um produto aos favoritos
- Na página de rastreamento ou histórico de pedidos
- Após a finalização da compra (pós-checkout)

Definição de estratégias de validação e métricas
Como validar a proposta?
A validação da proposta foi organizada em três fases complementares:
Teste de compreensão (fase exploratória)
Testes moderados com protótipos de média fidelidade, voltados para avaliar se o fluxo faz sentido, se os textos são compreensíveis e se a motivação está clara.
Teste de usabilidade (fase de validação)
Testes não moderados com protótipos de alta fidelidade, aplicados em cenários reais por ferramentas como Maze. O objetivo é identificar fricções, erros e barreiras no uso.
Testes A/B (fase de otimização)
Após o lançamento, diferentes versões do fluxo podem ser comparadas em produção para medir a performance de textos, microinterações e variações visuais.
Como medir a performance
Para acompanhar a eficácia da nova experiência, defini indicadores tanto quantitativos quanto qualitativos.
Métricas quantitativas:
- Tempo para completar a tarefa
- Número de cadastros finalizados
- Taxa de abandono no login
- Cliques no botão “Pular”
- Porcentagem de opt-ins marcados
- Taxa de erro por campo
Métricas qualitativas:
- Clareza percebida (via escala SUS ou entrevistas)
- Dificuldade auto-relatada (via micropesquisa)
- Sentimento de controle/confiança (após tarefa)
Conclusão
Mesmo sendo um ponto aparentemente simples, o fluxo de cadastro de telefone pode concentrar fricções que afetam diretamente a conversão e a percepção de confiança do usuário. Ao propor um redesign centrado em clareza, acessibilidade e controle, busquei não só resolver um problema técnico, mas melhorar a experiência como um todo — com foco no que realmente importa: respeitar o tempo, a atenção e as decisões de quem está do outro lado da tela.
Nota final:
Todo o estudo — desde a escolha do recorte até a prototipação e definição de métricas — foi desenvolvido em três dias, como parte de um desafio técnico. O prazo curto ajudou a manter o foco no essencial: identificar um problema real, propor uma solução viável e justificar cada decisão com base em dados e boas práticas.